Jornal de Mafra – Que influência poderão ter no desfecho destas eleições, os funestos eventos que envolveram o presidente Carlos Bernardes?
Laura Rodrigues – Influenciarão sem dúvida nenhuma. Aquilo que devia ter sucedido, seria a sua recandidatura à presidência pelo partido socialista e que daí resultasse novamente uma grande votação, como ocorreu nas últimas eleições autárquicas.
Era uma personalidade muito conhecida, muito ligada às pessoas, não havia ninguém que conhecesse melhor o território do que ele. Agora temos uma situação que é efetivamente diferente, apesar de eu ter uma ligação a Torres Vedras, que tem já muitos anos, de as pessoas me conhecerem bastante bem, de eu ser natural de Torres, de estar em funções autárquicas há três mandatos, apesar de tudo isto, as personalidades são diferentes e enquanto presidente, na verdade, este é um começar. Naturalmente que haverá diferenças nas votações, mas apesar das diferenças, cremos que iremos ter um ótimo resultado eleitoral no dia 26.
O nosso trabalho é um trabalho de muitos anos, mas é um bom trabalho de muitos anos
Jornal de Mafra – Tem consciência que as oposições encaram estas eleições como se fosse o final do terceiro mandato do presidente?
Laura Rodrigues – As oposições e todos os candidatos, candidatam-se para ganhar. Entende-se que qualquer dos candidatos afirme ser um candidato ganhador e que o Partido Socialista chegou ao final do seu reinado aqui em Torres Vedras, isso é perfeitamente normal. No entanto, devemos olhar para o nosso eleitorado e fundamentalmente, para o nosso trabalho autárquico ao longo dos anos, e é aqui que está a diferença, quando nos comparamos com as oposições.
O nosso trabalho é um trabalho de muitos anos, mas é um bom trabalho de muitos anos. Há uma diferença muito significativa naquilo que é hoje o nosso município, relativamente aquilo que era há uma série de anos. Nos mandatos dos últimos anos operou-se uma transformação muito grande do território e da cidade, houve uma grande evolução em termos culturais, ao nível da educação, na relação entre a escola, a comunidade e as famílias. Há todo um ecossistema que permite viver muito melhor e isso faz a diferença, quando se faz a comparação com as restantes candidaturas.
Jornal de Mafra – Os concelhos de Mafra e de Torres Vedras tem em comum, o facto de terem um partido a governar o território, com maioria absoluta, há já muitos decénios. Reconhece que a sucessão de maiorias absolutas ao logo de decénios tende a cristalizar modelos de gestão e a facilitar o surgimento de clientelismos?
Laura Rodrigues – É possível, mas é cada vez mais difícil que isso aconteça, porque o trabalho autárquico é hoje completamente diferente, muito mais transparente, muito mais escrutinado, há imensas regras e imensa legislação a cumprir e os munícipes são hoje pessoas muito mais esclarecidas e muito mais atentas ao trabalho da autarquia e os autarcas devem ter isso em consideração para desenvolverem um bom trabalho.
Isso era completamente verdade se tivéssemos munícipes muito iletrados, com uma elevada percentagem de analfabetismo, em que o caciquismo era muito evidente, como acontecia após 0 25 de abril, quando tínhamos 40 ou 50% de analfabetos e que tinham crenças relativamente a determinado tipo de partidos, levando a que outros se mantivessem no poder devido a medos e a uma imensa falta de transparência. Era um tempo em que se ofereciam frigoríficos nas campanhas eleitorais, para ganhar votos.
Hoje, mesmo quando o mesmo partido se mantém muito tempo no poder, tem de cultivar uma postura de transparência e de trabalho com a comunidade, e como as equipas vão mudando ao longo dos anos, já não há dinossauros autárquicos
Hoje, mesmo quando o mesmo partido se mantém muito tempo no poder, tem de cultivar uma postura de transparência e de trabalho com a comunidade, e como as equipas vão mudando ao longo dos anos, já não há dinossauros autárquicos. Em Torres tivemos cinco presidentes diferentes com equipas que se foram renovando, cada um com a sua forma de estar e de trabalhar, com pessoas diferentes em cada uma das suas equipas, só isto produz renovação.
Jornal de Mafra – O caso da vereadora Claúdia Ferreira deu origem a algum inquérito interno na câmara?
Laura Rodrigues – Não propriamente a um inquérito interno. Os técnicos que estiveram envolvidos no acompanhamento das obras fizeram os seus relatórios de atividade e houve depois uma participação ao IMPIC [Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção], para que o instituto decida se ocorreu algum prejuízo para a obra pública, ou não.
Jornal de Mafra – O conhecimento dos relatórios enviados ao IMPIC, sugere-lhe algumas considerações no plano político?
Laura Rodrigues – Não me pronuncio mesmo sobre o assunto da Claúdia. Foi uma situação que ocorreu, tratou-se sobretudo de uma situação de quebra de confiança que houve entre ela e o Presidente Carlos Bernardes.
Jornal de Mafra – Quebra de confiança política?
Laura Rodrigues – Quebra de confiança política entre a Claudia e o Carlos Bernardes, relacionada com as questões que se prendem com a obra da Cláudia. Mas essa é uma questão que ficou para trás e que só nos interessa na medida em que possa ter algum significado em termos jurídicos.
Jornal de Mafra – Não seria de elementar prudência política a câmara não fazer negócios com familiares diretos dos eleitos?
Laura Rodrigues – Com certeza que era mais fácil, mas a seguir põe-se a questão dos direitos. Se as pessoas têm os mesmos direitos, quando estão perante uma situação de concurso, perante uma situação de aquisição de um serviço que elas prestam nas mesmas condições que outras. As pessoas têm de ficar penalizadas por serem familiares de alguém?
O que devemos fazer é tratar essas pessoas exatamente da mesma forma como tratamos as outras e não as penalizando por elas serem familiares de alguém que está no exercício do poder. Só nos podemos referir à existência de situações de corrupção ou de favorecimento, se as pessoas contratadas não forem competentes, em detrimento de outras que também se tivessem candidatado, mas que apresentassem melhores condições, que tivessem mais qualidade.
Não creio que nos tenha surgido qualquer questão tão significativa que justifique o recurso a um referendo, até porque as decisões estão a ser tomadas por quem foi eleito
Não faz sentido estar na política e estar o tempo todo a penalizar os seus familiares, se eles não puderem concorrer na autarquia, assim fica muito difícil ser familiar de alguém que está na política. Na verdade, devem ter os mesmos direitos embora nunca devam ser favorecidos.
Jornal de Mafra – A oposição queixa-se da existência de demasiados contratos por ajuste direto com consultas a poucas empresas. Não há no país empresas competentes suficientes para permitir alargar o leque de empresas consultadas, aumentando a concorrência e assim reduzindo o valor dos contratos?
Laura Rodrigues – A questão dos ajustes diretos vem sempre à tona, mas raramente se pensa nas necessidades a que é preciso atender nas câmaras municipais. Se a opção fosse fazer concursos públicos para todas as aquisições de serviços ou de empreitadas, isso impossibilitaria o funcionamento da câmara municipal, que nunca conseguiria, em tempo, prestar qualquer serviço aos cidadãos. O mesmo sucede com os concursos para admissão de pessoal.
Jornal de Mafra – Que alternativas concretas propõe para ultrapassar esses problemas?
Laura Rodrigues – É necessária uma maior flexibilidade relativamente ao próprio código de contratação pública, a que corresponderia uma maior responsabilização daqueles que estabelecem os contratos. Não podemos dinamizar a economia local e contratar localmente, fazendo depois um concurso público nacional para adquirir, por exemplo, pão para os refeitórios e para as cantinas, podendo ganhar uma empresa do Minho, que virá cá fornecer pão.
Jornal de Mafra – Mas se o preço for mais baixo, o contribuinte não ficará beneficiado?
Laura Rodrigues – Não sei se ficará beneficiado. O preço não tem de ser o único condicionante, voltado ao exemplo anterior, para que o pão chegue cá abaixo vindo do Minho há muitos quilómetros a percorrer e isso significaria também uma pagada ambiental muito mais pesada.
Por outro lado, nos concursos a relação com o fornecedor é completamente diferente, se tivermos um fornecedor que é daqui, que conhecemos, qualquer reclamação é atendida mais rapidamente e muitas vezes, o próprio fornecedor é familiar daqueles que são servidos, sendo por isso mais briosos.
Devemos também ter em conta a promoção da economia local e os benefícios das cadeias curtas, que são hoje verdadeiros desígnios europeus.
Tem de haver um balanço que permita, em determinados casos, contratar mais localmente, e noutras situações, o recurso a concursos públicos e a concursos internacionais.
Jornal de Mafra – Falando-se cada vez mais na importância da relação entre governantes e governados, porque é as câmaras municipais recorrem tão pouco a referendos locais?
Laura Rodrigues – O recurso a referendos é pouco frequente, será por falta de hábito, mas creio que haverá também razões de logística que explicam isso.
O referendo local justifica-se para algo que seja extraordinariamente importante, porque o trabalho que nós fazemos já é assente na contribuição das pessoas, com consulta, com a participação dos diversos stakeholders, com a elaboração de planos estratégicos, por exemplo.
Não creio que nos tenha surgido qualquer questão tão significativa que justifique o recurso a um referendo, até porque as decisões estão a ser tomadas por quem foi eleito.
Todos os governantes estão cansados de saber que é uma exigência de todos os torrienses, que possa haver um novo hospital. Aguardamos serenamente que com alguma brevidade possa haver notícias a esse respeito
Jornal de Mafra – Estou a lembrar-me do caso do Hospital de Torres Vedras, será que algumas das questões que o envolvem poderiam justificar uma consulta direta à população?
Laura Rodrigues – Quem sabe… dependendo das propostas que venham a estar em cima da mesa.
Jornal de Mafra – Duarte Pacheco, candidato do PSD, afirmou que se anda há 40 anos a discutir a construção do novo hospital. A câmara está disposta a esperar quanto tempo mais? Que proposta tem para resolver este problema?
Laura Rodrigues – Nós não temos propostas, propriamente, essa é uma competência do estado central. Apesar dessa referência feita pelo Dr. Duarte Pacheco, na realidade foi na vigência do último governo que ele apoiou, que as coisas ainda pioraram. Deixámos de ter um Hospital de Torres Vedras e passámos a ter um Centro Hospitalar do Oeste, que acarretou desvantagens profundas para Torres Vedras.
Jornal de Mafra – O PS de Torres Vedras já fez sentir isso ao PS nacional?
Laura Rodrigues – Com muita acuidade, com muita acuidade. Todos os governantes estão cansados de saber que é uma exigência de todos os torrienses, que possa haver um novo hospital. Aguardamos serenamente que com alguma brevidade possa haver notícias a esse respeito.
Tem havido uma maior sensibilidade dos nossos governantes relativamente a este assunto, até porque hoje estamos a atingir uma situação limite. Sabendo que o novo hospital não será construído amanhã, estamos a ajudar a melhorar aquilo que é possível no hospital que temos.
Jornal de Mafra – Como foi possível deixar chegar o centro histórico ao estado em que está? Não há mecanismos de planeamento preventivo que permitam obstar a que se chegue a aquele estado de degradação?
Laura Rodrigues – Houve muitas intervenções da nossa parte, a intervenção “Torres ao centro” foi a primeira a ser realizada, tendo permitido ancorar diversas associações no centro histórico. Esperávamos que estas invenções fossem acompanhadas por iniciativa privada, que aqueles que ali possuem casas e estabelecimentos, se decidam a fazer alguma coisa com esses espaços, que os queiram reabilitar, que os queiram alugar, para que seja possível dar vida à cidade.
Jornal de Mafra – Não há dispositivos legais que permitem às autoridades intervir nesse processo?
Laura Rodrigues – Os dispositivos legais existentes foram aqueles que utilizámos para adquirir alguns espaços e para os reabilitar.
Neste momento temos uma Estratégia Local de Habitação já realizada e sabemos que irá haver financiamento para a aquisição de espaços devolutos e espaços degradados, permitindo ao município e aos particulares candidatarem-se a esses instrumentos financeiros.
Só com as pessoas a morarem nos centros históricos é que pode haver vida.
Jornal de Mafra – Quanto é que a câmara já gastou na construção de ciclovias? Qual é o número médio de utilizadores destes equipamentos?
Laura Rodrigues – Não sei dizer nesta altura, mas são cada vez mais. Nós temos 12 quilómetros de ciclovias e estamos cada vez mais satisfeitos pelo facto de as termos podido realizar fazendo o aproveitamento de fundos comunitários que têm de ser utilizados, não vamos dizer que não queremos fazer ciclovias. Em todas as cidades europeias com alguma dimensão vemos ciclovias por todo o lado e ela são muito utilizadas.
Podemos pensar que as ciclovias não estavam a fazer falta naquela altura, mas o caminho que é apontado em termos europeus é um caminho de mobilidades suaves. Olhamos para a Rua António Leal de Ascensão e vemos uma via completamente diferente daquilo que era anteriormente, aberta, limpa e que permite às pessoas andar a pé e de bicicleta com muito mais facilidade.
Depois da pandemia, as pessoas entendem melhor que os espaços públicos têm de estar mais abertos e mais disponíveis para serem utilizados.
As ciclovias são cada vez mais utilizadas e o comércio das bicicletas é muito importante no nosso território, as ciclovias, efetivamente, fazem sentido.
O nosso objetivo é servir melhor, por isso, mesmo com fundos a menos, nós preferimos assegurar os serviços e vamos reivindicando para que os fundos disponíveis sejam maiores
Jornal de Mafra – O que justifica a aceitação da descentralização de competências centrais para a autarquia sem as justas e necessárias transferências financeiras?
Laura Rodrigues – Porque a nossa experiência diz-nos que mesmo com fundos mais curtos, as pessoas ficam melhor servidas se forem os mais próximos a fazer esse serviço.
Os que estão mais próximos resolvem os problemas com maior facilidade, com maior rapidez e a ligação que existe entre a autarquia e as entidades facilita muito a resolução dos problemas.
O nosso objetivo é servir melhor, por isso, mesmo com fundos a menos, nós preferimos assegurar os serviços e vamos reivindicando para que os fundos disponíveis sejam maiores.
Jornal de Mafra – A câmara não podeia ter sido mais proativa nos casos da falta condições de vida de alguns trabalhadores da agricultura no concelho de Torres Vedras?
Laura Rodrigues – Não creio. Existe aqui no nosso território um grande leque de mão de obra estrangeira ligada à atividade agrícola, à construção e à hotelaria e restauração, mão de obra profundamente necessária para que se faça o nosso desenvolvimento económico.
Em termos habitacionais, no mercado também não há disponibilidade suficiente de habitações a custos decentes, para que os imigrantes se possam instalar da melhor forma. Também sabemos que as empresas que os trazem e as empresas de trabalho temporário fazem os alugueres de casas que comportam 4 ou 5 pessoas, mas na realidade ficam lá a viver 20 pessoas.
Houve e continua a haver fiscalização municipal, o mesmo acontecendo do lado das forças de segurança, mas para além destas, não há outras competências que possam ser desenvolvidas para que as coisas possam ser de outra forma.
Temos uma comissão de acompanhamento constituída por elementos das forças policiais, do SEF, das nossas áreas sociais e do Alto Comissariado para as Migrações, que acompanha estas situações.
Cabe ao governo central a criação de uma outra forma de trazer os imigrantes para o nosso território
Jornal de Mafra – Esta situação está estabilizada?
Laura Rodrigues – Sim está estabilizada, mas sabemos que esta não é uma situação resolvida. Estas situações exigem um tratamento estrutural, ou seja, cabe ao governo central a criação de uma outra forma de trazer os imigrantes para o nosso território, através de acordos de cooperação com os países de origem.
Precisamos muito destas pessoas, por razões ligadas à economia e à demografia, mas temos de os acolher da melhor forma, o governo tem mesmo de pegar nesta questão.
Jornal de Mafra – A câmara tem um programa de utilização dos fundos do PRR? Como é que esse programa se articula com o programa da candidatura?
Laura Rodrigues – A questão da habitação é prioritária. apressámo-nos a fazer a Estratégia Local de Habitação, com a identificação do número de famílias carenciadas e com a sua localização por freguesia, para que logo que seja possível, iniciarmos a reabilitação dos edifícios devolutos ou em ruínas e recupera-los, seja após a sua aquisição pelo município, seja pelos próprios particulares.
Uma outra prioridade passa pela formação e pela educação. A Escola de Saúde, que resulta de uma parceria entre o município e o Instituto Politécnico de Leiria será, em principio, contruída utilizando verbas do PRR. Neste âmbito prevemos também vir a fazer mais uma residência universitária.
A questão da atração do ensino superior é muito importante para nós e o PRR permite-nos fazer trabalho nesse âmbito
Jornal de Mafra – Houve contactos com objetivo de acomodar a candidatura Unidos Por Torres Vedras do ex-vereador do PS Sérgio Galvão, na candidatura do PS?
Laura Rodrigues – Não, nem creio que devesse acontecer. Cada qual é livre de escolher o seu próprio caminho e o Sérgio escolheu o seu próprio caminho. Escolheu o caminho de sair do Partido Socialista e formar um grupo para se candidatar, um grupo constituído por pessoas que eram do PSD e da CDU e tem todo o direito de se candidatar. O PS não tinha que ir ter com o Sérgio para conciliar fosse o que fosse, porque foi o Sérgio que saiu, foi o Sérgio que não estava bem, portanto ele encontrará o caminho dele e nós seguiremos o nosso.
Jornal de Mafra – Há um estudo de opinião que aponta para a perda da atual maioria absoluta do PS. Se isso acontecer, qual será a vossa política de alianças?
Laura Rodrigues – Essas sondagens que apontam para a perda da maioria absoluta, não são a nossa perspetiva. A nossa perspetiva é uma grande vitória do Partido Socialista no dia 26 de setembro e que mantenha a maioria absoluta.